Waldemar Rossi
Depois dos áureos tempos das Comunidades de Base e das Pastorais Sociais de caráter transformador, muito pouca coisa se tem feito no sentido da formação para a ação em nossa cidade.
A formação de homens e mulheres a que nos referimos na introdução do texto é aquela que leva as pessoas a conhecer a realidade, refletir sobre os problemas que afetam a vida do povo, procurando conhecer suas causas estruturais – não se satisfazendo apenas com os aspectos conjunturais -, contribuindo para a aquisição do conhecimento de experiências históricas, estimulando à ação individual e coletiva, visando a superação dos problemas agindo sobre suas causas nas dimensões do político-econômico-social-ideológico, buscando a transformação das pessoas, das práticas e das estruturas.
Essa formação libertadora, que contribuiu para que muitos e muitas assumissem seu espaço político, era necessariamente desenvolvida pedagogicamente para que os participantes descobrissem seus potenciais de intervenção, favorecessem sua inserção nas lutas do povo como protagonistas das mudanças e não apenas como cumpridores de tarefas. Era indispensável que os “formandos” não fossem e não se sentissem “doutrinados”. Visava-se despertar o senso crítico das pessoas, favorecendo seu discernimento e livre engajamento.
Resultado daqueles trabalhos miúdos, de formiguinhas, de organização de pequenos grupos pensantes e atuante, foi a explosão do movimento social em plena ditadura militar, que fortaleceu a resistência popular, contribuindo tanto para o surgimento de novos partidos políticos, recuperação de sindicatos com a derrota do peleguismo intervencionista e a criação das Centrais Sindicais. Porém, a ânsia pela chegada ao poder a qualquer preço e de controle ideológico dos seus comandados gerou verdadeira degringolada daquele processo de educação popular democrática. Muito do que se fez e se faz tem sido no sentido mais de doutrinar do que de desenvolver o senso crítico e a capacitação para a ação coletiva. Muito dessa “formação” tem sido para o discurso mais teórico que prático, discurso quase sempre desencarnado da realidade social do povo.
Felizmente, muitas sementes não se contaminaram conseguindo resistir à manipulação e aos avanços vorazes do poder capitalista. É preciso saber que durante o processo de manipulação inúmeras experiências no campo da formação consciente foram desenvolvidas por todo o país, especialmente naqueles duros tempos, não deixando “a peteca cair”, a espera do momento propício para dar seu salto qualitativo.
Recentemente, a insatisfação das novas gerações ante tanta sacanagem, corrupção, descaso com as enormes carências do povo trabalhador e a mudança de postura das direções dos movimentos sociais (construídos ao longo dos anos de chumbo), favoreceram o surgimento de inúmeras novas experiências e aglutinação de cidadãos e cidadãs comprometidos com as lutas pela justiça social.
Neste sentido, o surgimento da primeira Escola de Política e Cidadania foi como que a luz que faltava no fundo do túnel. Seu efeito, embora ainda lento, vai sendo como o do dominó, em cadeia, estimulando a formação de outras escolas, processo que tende a se expandir por bons tempos.
O que nos chama a atenção é que seus promotores têm tido a feliz preocupação de não dar passos maiores que as pernas, sem porém deixar de ousar e ousar sempre, praticando, acertando e errando, revisando, corrigindo, partilhando conhecimentos, avançando.
Entendemos que o surgimento e expansão das Escolas se dão num momento não apenas conjuntural. Estamos em época de mudanças históricas, com o fim de modelos que já deram frutos, muitos deles bons, outros nem tanto. Tanto o sistema capitalista industrial surgido nos últimos duzentos e cinquenta anos quanto o sistema político vigente já estão ruindo no mundo todo. Revelam, pela contradição das suas pregações com suas práticas, que já não conseguem manter o velho discurso ilusório de que seriam capazes de fazer funcionar a democracia plena e a elevação do padrão de vida de toda a Humanidade. Se Marx deu sua indispensável contribuição para se entender a exploração do capitalismo e a importância de se avançar rumo a uma sociedade socialista, de fato democrática, o modelo de organização política de esquerda que dali surgiu e que enorme contribuição deu aos processos revolucionários do Século XX, também revelou sua incapacidade para aglutinar todos os movimentos de esquerda e, juntos, elaborar e praticar um projeto alternativo de sociedade. Dentro deles está também o germe das lutas intestinas pelo controle do processo revolucionário.
Dentro deste contexto, surgem as Escolas, simultaneamente com o despertar das novas gerações e seus protestos almejando ocupar os espaços a que tem direito. Na Igreja Católica a grande surpresa da eleição do papa Francisco, um latino-americano, com larga prática pastoral junto ao povo carente – povo descartável pelo sistema, segundo suas palavras – e que ousa também propor e promover reformas de fundo nas arcaicas estruturas da Igreja Católica, assim como estimulando aos cristãos a não permitir que lhes roubem a alegria de levar a Boa Nova a todos os lugares. “Os cristãos precisam ser revolucionários”, dizia ele no Brasil.
As nossas Escolas de Cidadania e Fé e Política, pela sua oportuna atualidade, num contexto de expectativas de novos dias, tem a oportunidade de desenvolver a compreensão desses novos tempos e seus desafios. Assim, elas vêm dando oportuna contribuição aos seus alunos na iniciação ou avanço da prática política. Porém, é necessário que avance sempre, trazendo para suas salas de reflexão o entendimento de que grandes atos revolucionários nascem de pequenos núcleos, mas avançam à medida das experiências e a determinação de criar e recriar o novo da organização coletiva do povo. Seus “formandos” precisam entender que não perderam a capacidade criativa que Deus deu a todos, indistintamente, e que o Espírito Santo sopra seu discernimento sobre todos de boa vontade, cristãos ou não. É também de suma importância compreender que “quem tem muita pressa come cru... e queima a boca”. Por outro lado, assim com um canoeiro que rema contra a correnteza não pode jamais para de remar, caso contrário a força das águas correntes fazem-no retroceder, assim também é preciso atuar sempre controlando suas forças para que não se exaurem antes da hora.